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A seca no Nordeste e a opção pelo agronegócio
 


 

David Cavalcante, de Recife (PE)
O Brasil já é um país eminentemente urbano, com mais de 84% da sua população vivendo nas cidades. Percentual que destaca o país como o mais urbanizado do mundo.

Os EUA, por exemplo, alcançam a taxa de 82% de população urbana. Esta concentração demográfica urbana, analisada de forma abstrata, tem um sentido geral de modernização. No entanto, este fenômeno vem ocorrendo devido à forte migração interna, desde a década de 1950, estimulada pelas fortes desigualdades entre as regiões brasileiras e entre o campo e a cidade.

De forma que, em 2010, mais de 29% da população brasileira se localizava em apenas 38 dos mais de 5 mil municípios.
Eis a principal razão para entender o porquê de grande parte das grandes favelas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Porto Alegre, entre outras capitais e grandes cidades, terem origem nas migrações internas dos estados, e principalmente, dos nordestinos ao Sudeste, devido aos ciclos históricos de secas e a falta de políticas públicas estruturais para um desenvolvimento regional que impeça a migração impulsionada pela pobreza e pelo desemprego.

No Nordeste, vivem mais de 53 milhões de pessoas em 9 estados da Federação, representando quase 28% da população.
Ao contrário do que pensam muitos, principalmente até estimulados por uma ideologia xenófoba, e do que evidencia a grande imprensa, a região possui exemplos opostos de miséria e desenvolvimento, de modernidades e arcaísmos, de vanguardismo político-cultural e resquícios do coronelismo, resultantes do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo brasileiro.

Para compreender a seca é preciso destacar que há uma sub-região do Nordeste, incluindo uma parte do Norte de Minas Gerais, definida pelas suas características geoeconômicas, onde as distinções climáticas são predominantes do semiárido pelas baixas precipitações pluviométricas e umidade, com forte impacto para a formação da vegetação, do solo e, obviamente, do modo de vida social e produtivo.

Esta região é denominada Polígono das Secas, abrangendo 1.348 municípios, nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais. As consequências das secas são devastadoras para toda a região Nordeste, com fortes impactos negativos para a economia, a agricultura, a pecuária e a vida social das famílias, principalmente dos pequenos agricultores que sobrevivem da agricultura familiar.

Com a seca se perdem enormes forças produtivas com a destruição de lavouras inteiras e com a morte de milhões de cabeças de gado, fazendo aumentar o preço da carne, do leite e seus derivados. Destaque-se que a maioria da população das cidades sofre, principalmente, no que diz respeito aos preços dos alimentos onde a produção agrícola torna-se escassa, estimulando a importação de outras regiões.

A atual seca, que atinge principalmente o Nordeste, desde o ano 2011, com estimativas de duração até 2014, é considerada a pior dos últimos 50 anos. Já provocou prejuízos estimados em R$ 6,8 bilhões, com a perda de cerca de 5 milhões de cabeças de gado, segundo o economista chefe do IBGE/Natal (www1.folha.uol.com.br/mercado).

Valores que atingem mais de 50% do orçamento total para a questionada obra da transposição do Rio São Francisco.
Apenas para citar dois estados da região: no Ceará, 96% das cidades estão em estado de emergência e apenas 30% das áreas agricultáveis possuem algum plantio; em Pernambuco, já há perdas de mais de 960 mil cabeças de gado.

Agrega-se ao problema da seca a histórica concentração fundiária da região aliada às culturas agrícolas extensivas voltadas para exportação. Destacando-se a cana-de-açúcar e o cacau com seus reflexos no domínio político das tradicionais famílias oligárquicas nos estados, herdeiras do coronelismo de outrora.

A seca e as cercas
Um dos problemas fundamentais para entender o porquê da seca ainda ter forte impacto negativo na região Nordeste é que, desde a época do Império, as classes dominantes e seus representantes políticos sempre se utilizaram da situação de calamidade social, gerada por um fenômeno da natureza, para perpetuarem no poder as velhas oligarquias aliadas aos governos de plantão.
Nos 10 anos de governo do PT não tem sido diferente.

Desde o governo Lula, o PT, em nome de uma maioria parlamentar e das coligações eleitorais nos estados, se aliou com as oligarquias locais. Basta lembrar como Lula e o PT defenderam e se aliaram com a família Sarney (MA), Renan Calheiros (AL), Collor de Melo (AL), Joaquim Francisco (PE), José Múcio (PE), Severino Cavalcanti (PE), Inocêncio de Oliveira (PE), entre outros oligarcas regionais e locais.

A maior expressão desta aliança é que existem 2 ministérios relacionados à temática agrícola: o Ministério da Agricultura e o Ministério do Desenvolvimento Agrário. O primeiro trata do agronegócio e o segundo da agricultura familiar. Sendo que a agenda da reforma agrária praticamente sumiu dos planos do governo e o agronegócio vem galopando crescimentos à base de estímulos e financiamentos do governo central.

Segundo da Comissão Pastoral da Terra, os conflitos por terra no Brasil vem aumentando progressivamente, foram 751 (em 2008), 853 (em 2010) e 1067 (em 2012). Segundo o Documento sobre as Projeções do Agronegócio para os anos 2021/2022 do próprio Ministério da Agricultura, os produtos mais dinâmicos do setor para o futuro serão algodão, soja em grão, carne de frango, açúcar, milho e celulose.

Sendo que são os mesmos que indicam maior potencial de crescimento das exportações nos próximos anos. Ou seja, o que dinamiza e segue sendo a prioridade da política agrícola no Brasil é o reforço às exportações e ao agronegócio, enquanto a maioria do povo sofre com a inflação dos alimentos e a seca.

O governo Dilma, por sua vez, anunciou no dia 3 de junho em Natal, depois de toda a calamidade social gerada no Nordeste, a criação do Plano Safra para o Semiárido, que será voltado aos produtores do Nordeste, no valor de R$22,3 bilhões.
Sem detalhar muita coisa, a presidente afirmou que ... “vamos regionalizar um plano só para o semiárido nordestino... para que as pessoas não percam toda sua criação, não tenham do que viver, e o governo federal não tenha também de, no meio ou na entressafra, importar do sul do país, da Argentina e do Uruguai, milho para abastecer o Nordeste”.

Ora, aqui cabe uma pergunta, é possível realizar mudanças estruturais para a região Nordeste, em particular para a região do semiárido, sem levar em consideração a manutenção do latifúndio e a criação de novas instâncias de poder regional, envolvendo os setores sociais mais atingidos, que discuta, delibere, planeje as prioridades e os setores, e coordene a liberação dos recursos, para além das agências de crédito, dos governadores e prefeitos?




Data: 31 de Julho de 2013


 
     

 

 

 

 


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